sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Celebração da Vida

Tal como desde os tempos primordiais a Humanidade sempre teve tendência para viver em Grupo, também desde sempre sentiu necessidade de celebrar a vida cantando e dançando juntos uns dos outros.

Nesses momentos de celebração, não havia necessidade de pregar nenhuma crença ou ideologia. A palavra falada se assumia apenas como forma de testemunhar e transmitir de geração em geração, as experiências vividas com entusiasmo realizadas pelas pessoas do Grupo. Deste modo, nesses momentos de celebração, a música, o canto e a dança assumiam-se em todo o seu esplendor. E, no caso do canto, o idioma utilizado ou não era perceptível pela mente ou trazia uma mensagem ancestral que agregava o grupo em torno de um objecto comum, ou de uma força geratriz (vinculada com a essência da espécie humana).

Na verdade, a forma usada para a celebração não era o mais importante, desde que essa forma respeitasse o espírito gregário da espécie e se baseasse na sabedoria ancestral transmitida de geração em geração e fruto das vivências do próprio Grupo.

E tal como a forma usada para celebrar a vida não era o mais relevante, também o próprio motivo porque as pessoas ali estavam não se revelava o aspecto mais significativo. Muitas das pessoas simplesmente ali estavam pela alegria de estar juntos, no reconhecimento da presença uns dos outros... outras havia que se sentiam atraídas pela necessidade de louvar as forças do desconhecido, as forças para além do que a espécie humana conseguia captar e sentir... outras apenas se sentiam gratas pelos alimentos que haviam recolhido... outras pediam que as chuvas viessem para regar os plantios... enfim, muitos seriam os motivos, mas todos eles eram válidos e compreendidos. E, em meio daquela compreensão uns dos outros e da alegria de se reverem uns nos outros, brotava a vontade de celebrar e festejar a vida.

E era nesse entusiasmo e alegria de estar junto, de estar imbuído no espírito original da espécie humana, que a sabedoria circulava. Era através dessa relação humana plena de motivação e sentido, recheada de fulgor, que a informação original se transmitia. O canto, a dança e a conversa entusiasmada das experiências eram os instrumentos de transmissão.

Ser Humano

Ontem no final da sessão de biodanza, me senti espécie.
Me senti espécie humana.
Com tudo aquilo que ela tem de positivo e saudável.
Com tudo aquilo que ela é em essência. Em sua forma primordial, antes ainda de qualquer cultura ou civilização ter surgido.

Senti que fazia parte de um Grupo, de uma Bola Humana, de um Colectivo.
Colectivo esse que trás consigo certas características e que quando com elas nos conectamos, nos sentimos verdadeiros, nos sentimos vivos, nos sentimos presentes.

As características que ontem senti vincadamente foram as de espécie gregária, comunitária, que vive junto, que precisa de outra presença humana para se desenvolver e florescer. Uma espécie que precisa de cuidar e de ser cuidada pelo outro. Um espécie relacional, tal qual uma alcateia de lobos.

Desde os nossos tempos primordiais - quando ainda morávamos em cavernas - que sempre vivemos em Grupo, tal qual uma Tribo. E eram estas formas de vida que bem próximas estavam destas características gregárias da espécie.

Mas à medida que o tempo foi passando, surgiram as culturas, as civilizações, as religiões e as organizações, que muito desvirtuaram o sentido original da espécie.

Actualmente, o modelo capitalista aparenta ser o padrão civilizacional. Um modelo profundamente individualista e separatista. Daí que nas civilizações marcadamente dominadas por este padrão, os casos de depressão, desmotivação existencial, drogas e vícios e até mesmo de suícidio, estejam a crescer de dia para dia. Como que escapes que se vão arranjando no dia-a-dia para diminuir a angústia de não se saber quem realmente se é.

Em suma, o modelo actual é contra-natura, é repressor e castrador das características primordiais da espécie (pois tende a isolar, a individualizar, a separar, ao invés de agregar, de agrupar).

Em meio de todo este caos que se gera, derivado da Humanidade se sentir distante das suas características originais (enquanto espécie), surgem mil e um crenças para tentar amenizar esta patologia. Mas nenhuma ideologia, nem nenhuma crença, pode mudar o que está em nossos génes, em nossas células, em nossa espécie.

E hoje me sinto espécie.
Nem mais, nem menos que isso mesmo.
Nem dívino (a própria divindade), nem devoto (o que presta culto à divindade), mas tão somente a própria espécie.
Sou o que sou e o que sempre fui: a beleza da espécie humana.
Não sinto por isso necessidade de qualquer acréscimo, ou de qualquer diminuitivo. Me sinto pleno de vida assim mesmo.