quarta-feira, agosto 29, 2007

Dos ideais à vivência do presente

Por séculos se tem pensado a figura de Deus (e de outras divindades) como uma figura imaculada, pura, luminosa que está nos céus e que habita fora de nós. Daqui nascem também as ideias sobre paraíso e inferno. E surge também uma "cartilha" de bons comportamentos que devemos cumprir respeitosamente para que Deus nos abra a porta.

O "menino bem comportado" entrará no reino de Deus, enquanto que os outros se destinam a arder no inferno. Esta clara separação dos mundos paira ainda hoje sobre o consciente e o insconsciente da mente de muitas pessoas. Daí a sua obstinação em dividir mundos, em separar o bom e o mau, o certo do errado, a luz da sombra, o espírito da matéria, o corpo da alma, o fraco do forte, o inferior do superior, o dentro do fora.

A igreja católica por séculos engendrou esta divisão de mundos para conseguir dominar e manter o seu poder, enraizando o medo nas pessoas pela forma da punição aos pecados (aos que estão do lado do mal, ou melhor, que não tomam partido das suas ideias). A moralidade do julgamento foi a ferramenta encontrada numa sociedade patriarcal obstinada em manter o poder.

Pela dissociação de mundos, pela definição moral de bem e de mal (que ao invés de ser pessoal fica nas mãos de uma organização religiosa ou de pessoas que se passam pela figura de mestres), nasce o julgamento e a não aceitação de uma parte de nós, dos outros e do mundo. Dessa separação interna abrem-se também portas para a separação externa (ou seja, as pessoas passam apenas a socializar-se com aquelas que pensam do mesmo jeito).

Todavia, a moralidade do bem é fruto de um imaginário idealizado por quem pretende dominar através de ideias (e surge não só através das religiões como também através da política, por exemplo). Essa pregação do ideal cria dissociações ao nível dos campos mentais que dificultam a percepção da realidade presente e vivida no aqui-e-agora. A moralidade e os ideais infiltram-se na mente e condicionam de algum modo a forma como se olha a realidade, prejudicando uma percepção espontânea, natural e conectada à vida.

Torna-se por isso um acto saudável, o saber centrar-se no presente e o desligar-se das crenças idealizadas. A vida vai então desabrochando um dia de cada vez e "passo-a-passo" o caminho vai-se percorrendo.

O Eterno Presente

Acho que hoje comecei abrandando em respeito à idealização do futuro e procuro centrar-me mais do presente. Faz-me lembrar aquele ditado conhecido de "Um dia de cada vez". Ou "passo-a-passo" o caminho acontece.

Por isso, sinto hoje que as coisas vão desenrola-se num dia-após-dia contínuo e na vivências directa de uns com os outros. Por isso, desisti de procurar idealizar um mundo, ainda para mais fazendo-o sozinho. Isolar-me do mundo e procurar idealizar um outro mundo, pode conduzir à desintegração e ao desequilíbrio.

A separação dos mundos abre um distanciamento entre mim e o presente vivido, entre mim e o mundo, entre mim e os outros. Para mim o enfoque é aqui-e-agora, no presente vivido, nas pessoas que me rodeiam, nas coisas que a vida nos trás dia-após-dia. Tudo o resto corre o risco de estabelecer-se no mundo das ideias, no mundo dos pensamentos e do imaginário, podendo originar um conflito entre aquilo que é (a realidade em que vivemos) e aquilo que imaginamos ou idealizamos. A criação de uma distância entre estes dois mundos pode ser também originador de dissociações e conflitos vários a nível mental e interno, que depois se repercurtem e projectam a nível externo (por exemplo, através de julgamentos vários aqueles que não cumprem ou seguem os ideais definidos).

Sinto cada vez mais que é hora de concretizar aqui-e-agora ao invés de esperar indefinidamente por um futuro anunciado ou até idealizado. É hora de cada um tomar a responsabilidade por si mesmo e de começar a fazer "mexer as coisas" (ao invés de esperar que algo de fora de si apareça para fazê-las "mexer").


segunda-feira, agosto 27, 2007

Deus Amigo :-)

Houve momentos da minha Vida em que via Deus (Buda, Maomé, Krysna, etc) como algo fora de mim, algo externo em mim, como um personagem que morava algures por ai e a quem eu costumava pedir coisas. Hoje acho que esta separação dos mundos se diluiu mais. As coisas estão mais próximas.

No fundo, Deus anda por ai em vários sítios... nas amoras silvestres... no chão que piso... no beijo carinhoso que dou a alguém... num abraço que dou a um sem-abrigo... num abraço que dou a um multi-milionário... nas massagens... na meditação... nas ondas do mar... Deus anda por ai... também ele "fluindo e crescendo"...

Acho que é tempo de ultrapassar a imaginação idealista da figura de Deus e de querer que ele nos venha salvar (sem responsabilização por nós próprios) ou de querermos ser iguais a esse ideal (imaculados, puros, virtuosos, gloriosos, o que for... auto-exigência que depois rapidamente se transforma em exigência para com os outros... ou seja, desse conflito interno entre realidade e o ideal que se persegue abrem-se também portas para os conflitos externos).

No fundo, é tempo de suavizar e diluir a auto-exigência de querer ser isto, ou aquilo e aqueloutro, e simplesmente saber estar no presente, e deixar fluir e aceitar as coisas. Isso não significa necessariamente uma passividade, pois o fluir e o aceitar pode passar por bastante expressão e acção.

Enfim, Deus está por ai, em meio da vida, como um amigo vivo em tudo o que existe e manifestando sua infinitude com explendor. Um Deus amplo, abrangente, inclusivo, aberto a várias possibilidades, experimentador, dinâmico, em continua expansão e retracção, um Deus em movimento.

Lembro-me agora do TAO (no seu movimento dinâmico e continuo). O Deus amigo, o Deus que flui na vida junto conosco, também ele com suas mágoas e tristezas... também ele querendo experimentar coisas novas... também ele desejoso de crescer e amadurecer... afinal de contas, um companheiro amigo não muito diferente de mim, de ti, de nós...