quinta-feira, novembro 24, 2005

Diálogo

"Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, na acção-reflexão (Freire, 1970). Suponha que nós fossemos capazes de compartilhar significados livremente sem o desejo compulsivo de impor nossa própria visão ounos adequarmos à visão dos outros e sem distorção nem auto-ilusão. Isto não constituiria uma revolução na cultura e eventualmente na sociedade?"
(Gerard; Teurfs, 1995).

A palavra diálogo significa por meio de significado, e este significado se dá no encontro, na acção-reflexão de que fala Paulo Freire, na conversa "despretensiosa", onde duas ou mais pessoas se encontram e se permitem entregar-se. Desse significado vão surgindo a cultura, os valores... é o espaço sagrado da comunicação activa. Gerard e Teurfs (1995) chamava de "camaradagem impessoal".

A diferença básica do diálogo e de uma discussão é que nele há a agregação de valores e conhecimentos, sem ter necessidade de perseguir um resultado específico; fica-se aberto a ele, enquanto que na discussão (quebra em partes) há rupturas, escolhas, um ênfase no linear excludente. "Não há por outro lado, o diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um acto arrogante" (Freire, 1970).

A humildade não é percebida somente pela aparência física de escuta e paciência, mas principalmente pela forma que encaramos o outro e nossa abertura para o pensamento do outro, sabendo que as diferenças são complementares e que algo que ouvimos ou enfrentamos que não seja agradável de momento, pode ser possibilidade de crescimento.

"Nós vivemos em um universo holográfico. Cada parte do universo tanto contém como está contido no todo. Se uma parte é afectada por alguma coisa (alguma mudança), esta afecta o todo e vice-versa. Então, nós vivemos num mundo relacional onde o individual impacta o colectivo e o colectivo impacta o individual. A dificuldade é que o nosso pensamento nos leva a comportarmos como se o oposto fosse verdadeiro: que nós vivemos num mundo fragmentado onde partes individuais são separadas cada uma da outra. O nosso processo de pensar funciona contra a nossa habilidade de perceber as interconexões e o todo" ( Gerard; Teurfs, 1992).


Podemos por meio do diálogo participar na teia de ideias e percepções, re-significando paradigmas. O ensaio do diálogo consiste na suspensão de julgamentos, na capacidade de comunicar-se centrado no instante e na fala, abertos à possibilidade de ouvir o inusitado, e ao ouvi-lo, dar tempo para que possa se manifestar, suspendendo por um instante a conclusão do certo ou errado, do sim ou do não.

Outro aspecto que possibilita o diálogo é a identificação de suposições.
"Aprendendo a identificar nossas suposições, nós estamos mais aptos a explorar as diferenças entre nós e os outros. Nós podemos construir uma base comum e um consenso, chegando à base dos principais mal entendidos e diferenças."
(Gerard; Teurfs, 1995).

Isto quer dizer que auto-conhecimento nos permite conviver melhor com as pessoas, possibilitando-nos perceber nossos valores, crenças, sombras e luz. Quando conhecemos as nossas suposições geratrizes, ou o que norteia nossos pensamentos, podemos nesse momento sentir as diferenças sem transferências e indisposições. O pensamento do outro deixa de ser ameaça e entramos no mundo do encontro e das complementações. Consigo buscar no diferente o que falta em mim. É preciso limpar os olhos e entrar bem dentro do coração. Abrir as gavetas de nossa alma leva tempo e requer muita disciplina e determinação. Mas é uma opção.

Ouvir é outra dádiva para a arte de dialogar. Para esta habilidade é preciso mesmo ser determinado, pois na nossa cultura ocidental, capitalista, globalizada, aprendemos desde cedo a importância do falar, do escrever e de formas de imposição e presença. Quando em um grupo há os mais caladinhos, tanto no mundo das escolas como no meio organizacional, estes são logo taxados de tímidos, e raros são os casos dos que conseguem se impor e ter um status de destaque. Ouvir decididamente não foi o que aprendemos, mas chegamos à conclusão de que para o entendimento e a comunicação genuína, precisamos parar, diminuir a rotação para poder chegar ao outro. É um desafio.

Investigação e reflexão, acção-reflexão são também elementos facilitadores de um diálogo, aprendendo a fazer questionamentos, elevando o nível das perguntas, abrindo o universo das possibilidades, desmontando e remontando para fazer diferente. Einstein (apud Gerard; Teurfs, 1995) dizia: "Nossos problemas não podem ser resolvidos ao mesmo nível no qual eles foram criados".

Texto recolhido do capítulo "2.4 - O Diálogo Como Possibilidade de Encontro e de Descoberta" do livro "Educação Biocêntrica: Vivenciando o Desenvolvimento Organizacional" de Cássia Regina Xavier de Andrade

2 Comments:

Blogger Pedro Silva said...

Olá Anita!

Sim!, podes dialogar comigo.

Agora até já alterei as configurações deste blog para permitir qualquer comentário, sem ser necessário registarmo-nos como utilzadores.

Beijocas
Pedro

1:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oi Pedro,
Soube do teu blog a pouco e estou gostando muito.
Só para eu ter certeza de que não estou enganada de pessoa, você é o PedroM da Nave Terra?
Um abraço,

4:22 da tarde  

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